Aguardar por um leito para a realização de procedimentos de urgência e emergência é uma realidade para milhares de pessoas que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2023, foram realizadas mais de 1,3 milhão de solicitações de internações em Minas Gerais. Nos últimos 10 anos, este número ultrapassou 12 milhões de pedidos. As solicitações de internação em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) no ano passado somaram 79.143, e o acumulado dos últimos 10 anos foi de 658.823 pedidos.
Para organizar toda essa demanda, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) coordena a regulação de leitos para que os pacientes sejam cadastrados, avaliados e transferidos para o atendimento especializado ou para a realização de procedimentos na rede assistencial, em tempo oportuno, seguindo protocolos e classificações de risco.
Leidemar Aparecida Duarte Costa, moradora de Serra do Salitre, na região Noroeste do estado, foi uma das milhares de mineiras atendidas por esse ecosistema. Com 29 semanas de gestação, sua bolsa rompeu, e com um bebê prematuro, as equipes de saúde precisaram se organizar para salvar a vida do pequeno Otávio.
“Logo que nasceu, ele precisou ser entubado. O estado de saúde era complicado porque ele também teve anemia e infecção e ficou 22 dias ligado aos aparelhos. Depois, ele passou uma semana em observação, mas precisou fazer uma traqueostomia, foi entubado novamente e já ficamos esperando a transferência. Aguardamos por menos de duas semanas e conseguimos a vaga na Santa Casa BH”, lembra a mãe. O transporte para a capital mineira foi feito pelo Saav, que é fruto da parceria entre a SES-MG, o CBMMG, o Comave e o Samu, por meio dos Consórcios Regionais de Saúde.
Depois de 57 dias de internação, mãe e filho receberam a tão esperada alta médica em 12/3 e voltaram para casa com uma ambulância enviada pelo município. “Eu dou nota 10 para o processo de transferência e para o atendimento que recebemos desde o início. Agora que ele já está melhor e se recuperando em casa”, comemorou.
Regulação de leitos em Minas
A Portaria de Regulação do Ministério da Saúde foi publicada em 2008, mas o processo regulatório do acesso em Minas Gerais se iniciou em 2003.
No estado, o SUSfácilMG é a ferramenta utilizada para cadastro e acompanhamento da evolução dos pacientes e todas as informações pertinentes aos casos são compartilhadas via sistema informatizado. Nas centrais de regulação, sejam elas estaduais ou municipais, médicos e operadores trabalham para garantir o acesso do paciente à rede, baseados, sobretudo, no princípio da equidade.
De acordo com a superintendente de Regulação do Acesso da SES-MG, Daniela Domingues, a política de regulação de Minas surgiu da necessidade de ampliação de acesso do usuário de forma equânime e da importância de priorizar casos graves.
“Antigamente, as pessoas eram encaminhadas pelos médicos ou por políticos e nem sempre o indivíduo tinha os critérios clínicos e nem era feito classificação de riscos para conseguir a transferência. A regulação veio com o princípio da equidade e universalidade para permitir o acesso a todos os usuários do SUS, que têm o mesmo direito e a mesma oportunidade de conseguir a vaga”, conta.
O fluxo da regulação começa quando o estabelecimento de urgência e emergência, como uma UPA, estabiliza o paciente com risco de morte, cadastra a solicitação de internação ou transferência no SUSfácilMG e preenche todas as informações sobre o caso, para que sejam buscados leitos em outras unidades hospitalares que tenham a infraestrutura necessária.
Centrais de Regulação
O estado possui 13 Centrais Regionais de Regulação Assistencial, que contam com médicos reguladores, operadores e coordenadores macrorregionais. Também há quatro centrais municipais localizadas em Belo Horizonte, Juiz de Fora, Uberaba e Uberlândia. As centrais funcionam 24 horas por dia e sete dias na semana, para buscar a vaga adequada e o recurso assistencial necessário. No nível central da SES-MG, há uma Coordenação Estadual de Regulação Assistencial composto por quatro coordenadores, que têm responsabilidade pela gestão técnica de todas as centrais e monitoram os processos de trabalho.
Maria Ângela Monteiro é médica reguladora da Central de Regulação da Macrorregião de Belo Horizonte e ressalta que o papel das centrais é crucial e depende diretamente do trabalho feito pela equipe médica da assistência, que está à beira leito.
“Os hospitais municipais, UPA, ou policlínicas são chamados de ‘origem’. Eles fazem a solicitação de internação pelo SUSfácilMG, e esse cadastro simboliza um paciente que está numa maca, aguardando pela transferência. O médico regulador vai avaliar o laudo por meio de critérios clínicos e, por isso, as informações devem ser preenchidas de forma completa, explicitando a patologia, a real necessidade que o caso exige, resultados de exames, medicamentos administrados e qual é a distância que ele se encontra dos hospitais de alta complexidade. Iniciamos as buscas com base nessas informações, tanto para leitos de enfermaria, quanto de CTI e avaliamos os hospitais mais adequados, com a maior agilidade possível”, pontua.
A médica, que desempenha a função há 16 anos, explica que quando faltam informações, o médico regulador pode inserir perguntas ou solicitar esclarecimentos, via sistema, de modo a colher mais dados e realizar uma busca mais assertiva. “Tudo que for citado no laudo deve ser detalhado, para que sejam definidos os pacientes de gravidade habitual, intermediária ou de maior gravidade. Por exemplo, se temos uma pessoa com insuficiência renal, preciso procurar um hospital que tenha condições de realizar hemodiálise. A busca é feita de forma ampliada em toda a rede de referência de hospitais da macrorregião e é importante separar pacientes cardiológicos ou neurológicos, portanto, inserir o detalhamento é fundamental”, enfatiza Maria Ângela Monteiro.
Em um plantão de 24 horas da Central de Regulação da Macrorregião de Belo Horizonte, são regulados cerca de mil laudos por dia. Quando as informações são detalhadas, o tempo de espera do paciente tende a ser menor e os pedidos de transferência hospitalar precisam ser alimentados, pelo menos, a cada 12 horas, com a evolução do caso. Cada processo de entrada e saída do laudo na tela para a inserção de informações adicionais pode demorar duas, quatro horas ou mais, porque uma parte burocrática não foi realizada da forma correta e esse é um tempo grande que não pode ser perdido na busca de vaga.
Maria Ângela Monteiro destaca que o trabalho de cada profissional da regulação existe para permitir que o paciente tenha acesso à assistência que necessita. “Muitas estratégias são elaboradas para que o processo seja frutífero e trabalhamos todos os dias para que, ao sair do plantão, tenhamos liberado o maior número de vagas possível”.
Ação conjunta
Daniela Domingues lembra que durante o período crítico da pandemia, em que muitas pessoas precisavam de leitos de internação de urgência e emergência, o trabalho das centrais de regulação foi colocado em evidência. “Minas foi um dos estados mais bem-sucedidos no combate à pandemia e na operacionalização da internação e transferência dos pacientes, devido à Política de Regulação do Acesso do estado. As internações e transferências foram agilizadas por meio da atuação das centrais e esse foi um trabalho em equipe que englobou o Batalhão de Operações Aéreas do Corpo de Bombeiros (BOA), o Suporte Aéreo Avançado de Vida (Saav), o Comando de Aviação do Estado (Comave) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), com as transferências terrestres, ou seja, todos se uniram para salvar vidas”, afirma.
A partir deste ano, o Samu passa a funcionar de forma integrada com a central de regulação e a expectativa da SES-MG é de otimização dos processos e mais agilidade nos atendimentos.
Otimização dos processos
A SES-MG está desenvolvendo o projeto estratégico Regulação 4.0, que tem como principal desafio transformar e otimizar os processos do Sistema Estadual de Regulação Assistencial por meio da substituição do SUSfácil por uma ferramenta mais moderna e adequada às necessidades do SUS-MG, utilizando a tecnologia da inteligência artificial (IA).
O projeto possui quatro frentes de trabalho: “Nova Ferramenta Estadual de Regulação Assistencial”; “Observatório da Demanda por Acesso à Assistência”; “Reestruturação do Modelo de Governança e Operações do Sistema Estadual de Regulação Assistencial” e “Fortalecimento da Regulação Assistencial”.